Johnny Depp e Amber Heard se conheceram em 2009, começaram a namorar dois anos depois e, em 2015, celebraram seu casamento. “Isso vai terminar em tragédia”, disse na época um amigo jornalista, que em Los Angeles trabalhava com a cobertura de celebridades.
Há alguns dias, depois de seis semanas no tribunal, o relacionamento foi definitivamente encerrado com Depp vitorioso em um processo de difamação contra Amber. Contas feitas, ela terá de desembolsar cerca de US$ 8 milhões em indenização.
Divorciados em 2017, o casal alternou momentos de paz e de fúria, inflamada depois que a atriz publicou no ano seguinte um texto no jornal “The Washington Post” com acusações veladas contra o já ex-marido.
Não cabe a mim deliberar sobre a decisão do júri, por motivos de não sou advogado. A lei, em um processo assim, cobre minúcias que fogem da compreensão dos leigos. O que lamento foi o espetáculo triste formado em torno do caso. Que revela muito sobre nós mesmos.
Do lado de fora do tribunal, fãs de Johnny Depp aguardavam o veredito como final de campeonato. Amber Heard, que obviamente não possui nem o star power, tampouco os recursos financeiros do ex, perdeu a batalha da opinião pública muito antes de a sentença ser proferida.
A euforia e o circo em torno do julgamento, com torcidas e seus “especialistas” disparando opiniões, deixou em segundo plano um processo que envolve duas pessoas voláteis, uma escalada de álcool e drogas e uma série de eventos pautados por abuso, assédio e violência. É triste e não há nada a ser celebrado.
Uma coisa, porém, ficou reverberando em meu crânio como uma máquina de pinball. Foi uma argumentação usada pelos advogados de Depp. “Ela arruinou sua vida”, repetiram no tribunal. O que é uma tremenda bobagem. Se existe alguém responsável pelo declínio da carreira de Johnny Depp, seria o próprio Johnny Depp.
“A Hora do Pesadelo” e a série “Anjos da Lei”, lá no começo dos anos 1980, foram suas as portas de entrada para o showbiz. Logo ele se destacou por combinar um certo charme perigoso, no melhor estilo bad boy, com habilidades dramáticas indiscutíveis.
Nos anos 1990 Depp mostrou-se um intérprete eclético, não só experimentando diferentes gêneros como também alternando o escopo dos projetos, filmando algumas coisas com cara de guerrilha, outras cercado do aparato dos grandes estúdios.
Depp mergulhava sem medo em produções independentes como “Homem Morto”, de Jim Jarmusch. Não fugia de bobagens com “potencial de bilheterias” como o thriller “Tempo Esgotado”. Lapidava seu talento em filmes mais sofisticados como “Donnie Brasco”, ao lado de Al Pacino.
A parceria com Tim Burton, iniciada em 1991 com “Edward Mãos de Tesoura”, provou que Depp podia sustentar um filme nos ombros. Seu resultado nas bilheterias não era sempre estelar mas, em produções como “Don Juan DeMarco”, “Profissão de Risco” e “Do Inferno”, seguia constante e confiável.
Tudo mudou em 2003 com o lançamento de “Piratas do Caribe: A Maldição do Pérola Negra”. Planejado pela Disney como um filme de ambições moderadas, a aventura de Gore Verbinski, que adaptava uma das atrações do parque temático do estúdio, tornou-se um fenômeno global.
Johnny Depp fez do capitão Jack Sparrow um dos personagens mais emblemáticos do cinema moderno, indo contra as orientações dos executivos e lhe conferindo personalidade. Como resultado, o ator foi indicado ao Oscar (perdeu para Sean Penn em “Sobre Meninos e Lobos”) e tornou-se um dos maiores astros do planeta.
Apesar de toda a atenção – e de todo o dinheiro -, Depp tentou manter sua ética de trabalho. Seguiu firme no cinema independente, ganhando uma segunda indicação ao Oscar por “Em Busca da Terra do Nunca”, no mesmo ano em que fez o drama “O Libertino”.
Mas seu escopo no cinema já era outro. O ator voltou como Jack Sparrow em mais dois “Piratas do Caribe” sob direção de Gore Verbinski, emplacou dois blockbusters com Tim Burton (“A Fantástica Fábrica de Chocolate”, “Alice do País das Maravilhas”) e repousou confortável em uma posição alcançada por poucos.
Sua vida pessoal acompanhava, de certa forma, o inconformismo refletido em suas escolhas profissionais. Em um primeiro momento, Depp alimentou a imagem de bad boy e todos os seus estereótipos: problemas com a lei, consumo de álcool e drogas, quartos de hotel destruídos, relacionamentos tão públicos quanto frágeis.
Ele pareceu amenizar sua vida de excessos quando iniciou um relacionamento com a cantora, modelo e atriz francesa Vanessa Paradis. Os dois viveram como um casal de 1998 a 2012 e tiveram dois filhos. Consolidado como astro e visto como pai de família, Depp parecia domesticado.
Hollywood, porém, gosta de seus associados enquanto eles significam um investimento sólido. Um quarto “Piratas do Caribe” resultou em mais uma bilheteria bilionária, mas Depp já parecia cansado de repetir a rotina de Jack Sparrow. A boa fase, nesse momento, parecia caminhar para o fim.
Seu filme seguinte foi “Diário de um Jornalista Bêbado”, produção onde ele conheceu Amber Heard. Seus US$ 20 milhões levantados nas bilheterias mal cobriram os custos de produção. Destino pior teve “Sombras da Noite”, de Tim Burton, aposta ambiciosa que não alcançou seis dígitos nos cinemas americanos.
A força de Johnny Depp nas bilheterias experimentou uma queda abissal em 2013 com “O Cavaleiro Solitário”. O fracasso da adaptação da série de TV clássica resultou em um prejuízo de US$ 190 milhões para a Disney. No papel de Tonto, companheiro do protagonista, Depp despertou, com razão, a fúria da comunidade nativo americana por motivos óbvios.
O público, por sua vez, passou a ignorar Johnny Depp em seu papel de astro. Em uma sequência de escolhas equivocadas, ele conseguiu fracassos artísticos e comerciais com a ficção científica “Transcendence” e com a comédia “Mortdecai”. O drama “Aliança do Crime” foi bem visto pelos críticos, mas ninguém saiu de casa para conferir.
A essa altura, todos os sinais de alerta estavam acesos, e Depp resolveu não correr riscos em seus projetos seguintes. “Alice Através do Espelho”, porém, decepcionou, dando um prejuízo de US$ 70 milhões. Já “Piratas do Caribe: A Vingança de Salazar” teve um resultado desastroso nos Estados Unidos, mas foi salvo pelas bilheterias na China e na Rússia.
Em Hollywood, repito, você vale o quanto você rende. Johnny Depp havia deixado de ser um investimento seguro. Até o remake de “O Homem Invisível”, parte do esforço da Universal em construiu seu universo compartilhado de monstros clássicos, foi cancelado antes de sair do chão.
Tudo isso, é preciso ressaltar, aconteceu durante seu casamento com Amber Heard, e muito antes de o amor se tornar farpas e acusações ventiladas pela imprensa. Quando Depp foi convidado a se retirar da série “Animais Fantásticos”, o processo judicial já estava em curso. Foi a primeira evidência que o julgamento poderia ter efeito negativo em sua carreira. A vaca porém, há muito havia ido para o brejo.
“O júri devolveu a minha vida”, disse Johnny Depp ao ouvir a sentença a seu favor. O entendimento é que, livre das três acusações específicas que dispararam o processo por difamação, ele pode de alguma forma retomar seu lugar na elite do cinema. Hollywood, afinal, adora uma história de redenção.
O caminho não parece assim tão fácil. Um retorno para o cume passa não só pela viabilidade econômica, que Depp parece ter perdido há pelo menos uma década, mas também pela confiança de seus pares. As reações da comunidade artística, espelhando o clima esportivo do julgamento, encontra-se dividida. Johnny Depp tem, hoje, um total de zero projetos em andamento nos Estados Unidos.
Lembrei-me das palavras do meu amigo e percebi que ele, por fim, estava errado. Nada terminou em tragédia. Ninguém foi preso, ninguém morreu. Amber Heard, que tem o segundo “Aquaman” na agenda, sinalizou que vai apelar da decisão do júri. É gente rica contra gente ainda mais rica. Ou seja, é só mais uma terça-feira em Hollywood.