O mieloma múltiplo é um tipo de câncer do sangue que afeta o sistema hematológico, resultando, principalmente, em complicações nos rins e nos ossos —com sintomas difíceis de serem diferenciados de outras várias doenças.
A doença ataca os plasmócitos, um tipo de glóbulo branco, que tem a função de produzir anticorpos para combater infecções. Em vez de células saudáveis, surgem versões malignas que se multiplicam e passam a produzir anticorpos anormais, conhecidos como proteína M ou proteína monoclonal, que prejudica diferentes partes do organismo —e por isso a doença leva a palavra “múltiplo” em seu nome.
Os pacientes costumam sentir, antes de qualquer outro sinal, uma dor lombar, sintoma bastante genérico, que pode ser resultado de uma noite dormida em posição não tão confortável, um treino pesado demais na academia ou tantos outros fatores do dia a dia. Mas que também é considerado o principal sintoma desse câncer raro.
Foi justamente esse incômodo que levou o comerciante Luiz Fernando Fontenele, de 37 anos, a começar uma longa jornada de exames e consultas médicas até descobrir a doença. “Eu sentia muita dor e só sete meses depois de sofrer a primeira fratura recebi o diagnóstico. Eu mesmo levantei a suspeita por ter lido sobre os sintomas na internet”, lembra.
Assim como aconteceu com Luiz Fernando, a doença pode levar a fraturas, por deixar os ossos mais fracos, anemia, pelo excesso de células plasmáticas na medula óssea, que causa uma redução número de células formadoras de sangue, e em casos mais graves, a insuficiência renal, devido ao dano que o quadro causa aos túbulos renais.
Embora raro, é o segundo câncer de sangue mais frequente no mundo. No Brasil, estima-se que quatro a cada cem mil pessoas sofram com a doença, uma média de 7.600 novos casos a cada ano.
A doença é mais comum para pessoas com mais de 60 anos, mas há diagnósticos em pessoas mais jovens. O caso mais emblemático da literatura mundial aconteceu aqui no Brasil. Um menino de 8 anos, morador de Salvador, na Bahia, foi diagnosticado com o quadro. De acordo com a organização IMF (International Myeloma Foundation Latin America), ele foi a primeira criança da história a receber o diagnóstico.
O mieloma múltiplo pode ser detectado por exame de urina ou pelo exame de sangue chamado de eletroforese de proteínas séricas, solicitado quando os sintomas indicam doença inflamatória, doença autoimune, infecção aguda ou crônica, doença hepática ou renal.
“Embora acredite que o exame não precise ser pedido como rotina para todas as pessoas —até por que isso poderia significar um gasto público que tiraria recursos de outras doenças— considero inaceitável que um paciente possa ficar tanto tempo com sintomas, e por desconhecimento de profissionais que não são especialistas, não tenha um pedido de exame que leve ao diagnóstico”, afirma Angelo Maiolino, professor de hematologia na UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).
Após os primeiros sintomas, 29% dos pacientes com mieloma múltiplo demoram um ano para receberem o diagnóstico, e 28% esperam por um tempo ainda mais longo, de acordo com uma pesquisa feita pela Abrale (Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia).
“Já vi casos de pessoas que estavam fazendo diálise, com os rins muito comprometidos, que só descobriram a doença três anos depois”, diz Maiolino.
Tratamento
Desde o primeiro diagnóstico de mieloma múltiplo, no século 18, a medicina apresentou avanços na evolução tanto nos conhecimentos biológicos da doença como nos tratamentos, que hoje permitem que os pacientes com esse tipo de câncer tenham vidas mais longas e com mais bem-estar.
A doença não tem cura, mas, para muitos casos, os tratamentos permitem que os pacientes vivam bem, com bom controle dos sintomas. “É como se eles tivessem uma doença crônica como é o diabetes, a hipertensão…”, diz Maiolino.
A intervenção precoce, de acordo com o médico, é o caminho para que o avanço da doença não comprometa a saúde dos pacientes de forma irreversível. “Usamos um tipo de tratamento para cada estágio da doença, mas se o quadro é descoberto tardiamente, o paciente não conseguirá colher os benefícios das fases iniciais do cuidado”, explica.
Outra opção bastante comum é a indicação do transplante de células-tronco. Antes da realização do transplante, é feito o tratamento com quimioterapia ou radioterapia para que a medula óssea já existente (local onde o corpo fabrica sangue, glóbulos brancos e vermelhos e plaquetas) dê espaço para que uma nova medula possa ser criada.
A nova medula óssea é um líquido gelatinoso que pode vir de doador ou ser autólogo (do próprio paciente).
Luiz Fernando foi transplantado, mas sofreu uma recidiva, ou seja, a doença voltou. “Foi mais difícil do que receber o diagnóstico. Faço um tratamento específico, com uma combinação de medicamentos a cada 28 dias em ambiente hospitalar e a cada 21 dias em casa. Descobri o mieloma múltiplo com 28 anos e não me lembro de um dia que passei sem dor. É difícil, mas a gente aprende a conviver. A combinação de remédios permite que eu tenha uma vida normal.”
* Este texto foi originalmente publicado na BBC News Brasil.