Por exigências do fluxo de carreira, fui levado a estudar programas de governo na década de 1990. As ideias contidas nas propostas eram bons eixos a serem trilhados no desenvolvimento de questões nas provas para o concurso de ingresso à ESCOLA DE COMANDO E ESTADO-MAIOR DO EXÉRCITO (ECEME).
Os documentos ajudavam a organizar o pensamento do aluno candidato, pressionado pelo espaço de folhas e pelo tempo de quatro horas, permitindo colocar o máximo de pontos relevantes em respostas às perguntas apresentadas para mensuração do conhecimento do oficial.
Embora os programas sejam peças publicitárias das campanhas eleitorais e visem a atender a legislação que obriga candidatos e partidos a colocarem a público propostas para a gestão do país, trazem temas que responsavelmente deveriam estar em discussão entre concorrentes e eleitores.
Ainda hoje, guardo em minha biblioteca o livro AVANÇA BRASIL, cujo conteúdo esboça as sugestões de governo do então presidente da República Fernando Henrique Cardoso para a campanha de 1998.
Iluminava quatro eixos basilares para a continuidade do seu governo: consolidar a estabilidade econômica; promover o crescimento econômico sustentado, a geração de empregos e de oportunidades de renda; eliminar a fome, combater a pobreza e a exclusão social, melhorar a distribuição de renda; e, consolidar e aprofundar a democracia, promover os direitos humanos.
Na exposição do documento, o ex-Presidente afirmou: “[…] contribuirá para o debate nestas eleições e servirá de guia, no caso de vitória, para as ações de governo.”
Muitos objetivos foram alcançados, outros não tiveram o impulso do governante e, por fim, alguns eram apenas peças de marketing inalcançáveis.
Em nossa história mais recente, há outros exemplos de projetos de governo. UMA PONTE PARA O FUTURO, proposta do ex-Presidente Michel Temer, O DEVER DA ESPERANÇA, do ex-Governador do Ceará Ciro Gomes, e o QUINTO MOVIMENTO, do ex-Ministro Aldo Rebelo, só para ficar nos últimos anos.
Com características semelhantes de formulação, utilizam técnicas de planejamento estratégico para gerar um cenário prospectivo e um caminho para alcançá-lo que traga esperanças para a sociedade.
A semana passada, um documento de análise conjuntural, elaborado por três Think Tanks – INSTITUTO SAGRES, INSTITUTO VILLAS BÔAS E INSTITUTO FEDERALISTA – foi alvo de concentração de fogos por analistas de vários ideários e diversos órgãos de imprensa.
As críticas se direcionam, antes que nada, ao perfil das organizações. Por conservadoras, por alinhadas ao governo atual e por descortinarem um suposto projeto militar de manutenção de poder, seus antagonistas afirmam que as propostas são o pensamento maturado e certificado nas Forças Armadas.
Pareceu-me uma ilação carente de sustentação, embora muitos dos coordenadores sejam militares da reserva em funções acadêmicas e de consultorias. Mas a voz desses atores não reflete, nem tem suporte institucional daqueles que de fato dirigem as Forças Armadas.
Há pontos interessantes nos trinta e sete temas estratégicos do documento. Devem ser conhecidos pelos cidadãos angustiados com a estrada que vamos trilhar em futuro próximo.
Infelizmente, a comunicação equivocada durante o seu lançamento, focada prioritariamente na bolha de convertidos, matizou a discussão, dando-lhe viés negativo.
De sua leitura, depreende-se uma tendência conservadora e liberal nas propostas, aliás seus formuladores se intitulam “conservadores evolucionistas”, embora traga aspectos progressistas e nacionalistas.
Tem um caráter messiânico indesejável em documentos acadêmicos. Deixou de arguir consultores com perfis claramente divergentes da orientação básica dos três institutos.
Embora inadequada, essa é uma caraterística no mundo das organizações formuladoras de conceitos com viés ideológico: cercar-se de quem pensa como igual, fortalecendo suas narrativas.
Ainda fruto da análise, seria um equívoco estabelecer um vínculo do PROJETO DE NAÇÃO, como o documento foi alcunhado, com o governo atual, imaginando que servirá de base a um projeto eleitoral na campanha do mandatário.
A falsa polêmica sobre esse estudo, que nasceu de uma questão pontual – o envolvimento dos militares na política partidária -, deveria forçar os principais candidatos a colocarem suas visões de futuro em discussão. Obrigá-los a fugir da polarização “nós contra eles” que impede aprofundar verdadeiramente os problemas e as soluções para o país.
Até o momento, os concorrentes mais bem avaliados em pesquisa eleitorais temem oferecer oportunidades aos adversários de criticá-los, caso defendam abertamente suas propostas e sejam mal interpretados.
Compreensível sob o ponto de vista de conforto para a disputa, impensável quando se pretende que a sociedade seja o ator principal da peça da democracia com a eleição de outubro.
Todos os candidatos, expondo com nitidez seus programas, podem contribuir para o debate nas eleições. Se não o fazem caros leitores, algo há a questionarmos como seus preceptores nos futuros governos. E o voto, sempre será nosso instrumento de poder.
Paz e bem!