Brasil patina para completar vacinação de crianças a idosos

Segundo o infectologista, nenhum país está adotando a quarta dose indiscriminadamente, “mesmo porque temos que diminuir a desigualdade”

Cristiano Martins e Isabella Menon
São Paulo, SP

Em meio ao arrefecimento da pandemia, a vacinação contra a Covid-19 no Brasil enfrenta desafios em todas as faixas etárias. O país registra dificuldades para completar os ciclos recomendados, com cobertura infantil estagnada, reforço baixo entre jovens e apenas 10% dos idosos com a quarta dose.

É o que mostra análise feita pela Folha com dados do Ministério da Saúde e do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

O levantamento aponta que, até o dia 24 deste mês, 4 de cada 10 crianças na faixa de 5 a 11 anos não haviam recebido nem a primeira dose.

Após um pico de aplicações entre janeiro e fevereiro, a cobertura parcial caiu de ritmo e freou antes de alcançar dois terços do público infantil com a primeira injeção (61%).

Mesmo se levado em conta o intervalo de espera entre as doses –oito semanas no caso da Pfizer pediátrica–, o retorno para o complemento está muito aquém do esperado: somente 34% das crianças concluíram o ciclo vacinal primário.

Entre os jovens, o gargalo está na terceira dose. A cobertura com o primeiro ciclo –duas doses ou dose única da Janssen– atingiu 81,5% entre os brasileiros de 18 a 29 anos.


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No entanto, a maioria deles não voltou depois de quatro meses para receber o primeiro reforço, indicado pelo Ministério da Saúde a todos os adultos desde novembro do ano passado.

As aplicações não decolaram nesta faixa etária e estão em queda desde março. Segundo o levantamento, apenas um terço dos jovens tomou a terceira dose (33%).

A quarta dose entre os idosos também apresenta baixa adesão. A cobertura com este segundo reforço é de somente 18% entre os brasileiros de 80 anos ou mais, elegíveis desde março em todo o território nacional.

Epidemiologista e vice-presidente do Instituto Sabin, Denise Garrett classifica como “lástima” o atual cenário. Ela observa que o Brasil repete ondas semelhantes às dos Estados Unidos, que atualmente enfrenta um aumento no número de casos e de subnotificação em razão dos autotestes.


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Isabella Ballalai, pediatra e vice-presidente da Sbim (Sociedade Brasileira de Imunizações), afirma que a situação é preocupante e que um aumento de casos vem sendo observado nas últimas semanas.

“Não é esperada uma nova grande onda, mas podemos ter uma variante com maior escape da vacina”, alerta.

Enquanto os EUA já autorizaram a terceira dose da vacina para pessoas entre 5 e 11 anos, destaca a pediatra, o Brasil ainda não conseguiu fazer o dever de casa e imunizar as crianças com duas doses.

A falta de campanhas de vacinação de peso e os ruídos entre Ministério da Saúde e estados são mencionados por especialistas como possíveis causas da dificuldade que o país enfrenta para completar os ciclos de imunização das crianças e reforços entre os adultos.


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“A comunicação não é direta com a pessoa. Quando dizem ‘todos têm que se vacinar’, o jovem de 20 anos não acha que é ele, mas só para os mais velhos”, diz Ballalai. “A informação é dita, mas não impacta a população.”

Desde o dia 18 de maio, o Ministério da Saúde passou a recomendar a quarta dose para todas as pessoas a partir dos 60 anos. Antes disso, muitos estados já haviam iniciado a vacinação nessa faixa etária.

O estado de São Paulo, por exemplo, começou a campanha no dia 21 de março para pessoas de 60 anos ou mais, além dos adultos imunossuprimidos.


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O levantamento da Folha aponta que, em toda a população brasileira, somente 14% dos septuagenários e 6,5% dos sexagenários já atualizaram a imunização. No geral, apenas 1 a cada 10 idosos de 60 anos ou mais recebeu a quarta dose da proteção (10,5%).


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Ballalai comenta que, com o arrefecimento da pandemia, a maioria dos cuidados foram deixados de lado. Ela acredita que o movimento antivacina no Brasil convenceu parte da população de que o risco da doença não era tão grande, e isso diminuiu a procura pelo imunizante.

Uma análise epidemiológica divulgada pela Fiocruz na quinta-feira (26) aponta que 48% dos casos de síndrome respiratória aguda grave (SRAG) registrados nas últimas quatro semanas ocorreram em função da Covid-19. O número representa um aumento de casos em todas as regiões do país.

Em relação à falta de adesão à quarta dose, ela a atribui a um cansaço geral e a uma sensação de que a vacina não funciona. “Não é verdade. Em todas as idades existe uma nítida diferença entre quem está vacinado e quem não está.”

A pediatra compara a imunização da Covid-19 com a da gripe e afirma que poucas pessoas sabem que a primeira protege de 4 a 6 meses.

“A gripe tem uma sazonalidade bem marcada. Ela circula o ano inteiro, mas o pico é agora, por isso é necessária a vacinação agora. Já a Covid não tem essa sazonalidade, e o pico pode acontecer a qualquer momento”, diz.

A Prefeitura de São Paulo encaminhou, nesta quarta-feira (25), um ofício ao Ministério da Saúde em que solicita a autorização da quarta dose para todos os profissionais de saúde e para pessoas de 50 a 59 anos sem comorbidade, conforme noticiado pela coluna Painel. A gestão municipal também solicitou que a terceira dose seja autorizada para adolescentes de 12 a 17 anos.

Até o momento, porém, não há previsão para que a segunda dose do reforço seja disponibilizada para toda a população. Por isso, é comum que aqueles que já receberam a terceira dose há seis meses considerem que estariam menos protegidos contra a Covid.

A análise da Folha aponta que, atualmente, cerca de 4,4 milhões de adultos entre 18 e 59 anos (3,4%) integram essa parcela da população. Até o fim do mês que vem, esse número deve chegar a 12,4 milhões (9,6%).

No entanto, especialistas afirmam que ainda não existem estudos que sustentem a necessidade da quarta dose para a população geral.

Julio Croda, infectologista da Fiocruz, diz que há poucos dados a respeito do benefício extra e de quanto tempo ele dura. “O que sabemos é que pode ter um ganho importante de proteção em idosos. Mas, em relação à população geral, os dados são escassos e contraditórios.”

Segundo o infectologista, nenhum país está adotando a quarta dose indiscriminadamente, “mesmo porque temos que diminuir a desigualdade vacinal entre os países que não têm esse acesso”.

Croda acrescenta que a principal estratégia precisa ser baseada na prevenção de internação e de óbito. Por isso, por enquanto, a segunda dose de reforço não deve ser motivo de preocupação para a maioria da população.

“Vamos ter repiques sim, relacionados a ocasionalidade, inverno, relaxamento de medidas preventivas. Mas, até que ponto isso vai impactar no aumento de hospitalização e óbito é o que precisamos observar”, diz o médico.

Raquel Stucchi, professora da Unicamp e consultora da SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia), concorda com Croda. “As pessoas [imunizadas com as três doses e abaixo de 60 anos] podem ficar tranquilas em relação ao risco de adoecimento mais grave”, afirma ela.

Como o vírus segue circulando, ela recomenda que, no caso de exposição em locais com aglomeração, pessoas que tenham contato nos dias seguintes com idosos e pessoas com comorbidade devem usar máscara.

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