O impacto da pandemia na educação é algo sem precedentes e que os efeitos na economia, na desigualdade e na renda vão ser sentidos
Thiago Bethônico
São Paulo, SP
Ao longo das próximas décadas, os brasileiros terão uma das maiores perdas de renda entre as grandes economias globais em função do fechamento de escolas na pandemia.
Segundo estimativas do FMI (Fundo Monetário Internacional), o aprendizado incompleto durante a crise sanitária, se não for remediado, pode diminuir o rendimento médio dessa geração de estudantes em 9,1% ao longo da vida.
O prognóstico coloca o Brasil na terceira pior posição entre os países do G20, atrás apenas da Indonésia —onde a perda é estimada em 9,7%— e do México, que lidera o ranking com 9,9%.
O relatório, divulgado nesta terça-feira (17), destaca que o impacto da pandemia na educação é algo sem precedentes e que os efeitos na economia, na desigualdade e na renda da população poderão ser sentidos por muito tempo.
Só nos anos de 2020 e 2021, as interrupções nas escolas afetaram 1,6 bilhão de alunos em todo o mundo. Embora tenham atingido todos os países do G20, as perdas de aprendizado recaíram desproporcionalmente sobre os países emergentes, com consequências ainda mais graves para as populações vulneráveis.
“Se não for abordado, o consequente impacto no capital humano reduzirá os níveis de qualificação e a produção agregada nas próximas décadas —com maior desigualdade”, diz o documento.
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O relatório lembra que o fechamento de escolas já produziu efeitos mensuráveis nos estudantes. Segundo o FMI, várias economias do G20 observaram uma queda de resultado em testes de desempenho, sem falar na diminuição considerável de matrículas em todos os níveis de ensino e os riscos de evasão.
Projeções demográficas indicam que a geração de estudantes afetados representará até 40% da população em idade ativa nas economias do G20 nas próximas décadas. Com menor qualificação, a perspectiva é de que a renda média dos trabalhadores também seja inferior —a menos que o dano seja mitigado por ações públicas, conforme aponta o FMI.
A diminuição dos níveis de qualificação, por exemplo, pode inflar o mercado de trabalho informal. E com as famílias mais pobres sofrendo as maiores perdas de aprendizado, a desigualdade tende a aumentar.
No entanto, os impactos no rendimento dos trabalhadores podem estar subestimados. De acordo com o FMI, as estimativas não consideram efeitos secundários, como a redução na oferta de empregos, uma vez que disrupções generalizadas na educação reduzem o nível de qualificação na economia e podem murchar o crescimento de longo prazo.
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Para Naercio Menezes Filho, professor do Insper, as projeções do FMI mostram o que já era esperado. Na visão dele, o Brasil aparece numa posição mais desfavorável porque fechou suas escolas por mais tempo.
O economista também lembra que o diferencial de remuneração associado à educação é muito alto no Brasil. Segundo ele, em poucos países do mundo há um vínculo tão forte entre maior escolaridade e bons salários como acontece aqui.
“Uma pessoa só consegue ter um aumento grande da renda no Brasil se concluir o ensino superior —e isso vai diminuir no longo prazo”, afirma. “Se essas crianças não aprenderem a ler, escrever e fazer contas rapidamente, elas não vão chegar lá. Então é um impacto muito grande”, acrescenta.
Na visão dele, o baque econômico do fechamento das escolas não fica restrito aos estudantes prejudicados. Até mesmo aqueles que conseguiram continuar com os estudos podem ser afetados, já que a produtividade da economia será impactada.
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Contudo, o principal fator, ele diz, é o aumento no número de pessoas que vão passar a depender de programas assistenciais do governo.
“De onde virá o dinheiro do Auxílio Brasil e do Benefício de Prestação Continuada para mais pessoas? Dos impostos que saem do bolso dos mais ricos”, diz. “Mesmo que [o problema] não afete diretamente as pessoas que estão em escolas privadas, indiretamente vai haver um aumento da carga tributária.”
Para Guilherme Lichand, professor de economia do bem-estar e desenvolvimento infantil da Universidade de Zurique, o relatório é até bondoso com o que pode acontecer com o Brasil.
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Um dos motivos, segundo ele, é que o documento não considera o abandono escolar. “Isso nós não conseguimos ver refletido ali, porque é mais do que perda de aprendizagem: é rompimento de trajetória”, diz. “A situação é mais crítica do que o relatório indica”, emenda.
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O pesquisador destaca que a estimativa do Fundo é contrafactual, ou seja, não significa que a renda vai cair 9% em relação ao que é agora. Os rendimentos, na verdade, podem até subir, mas vão crescer menos do que na ausência desse fenômeno.
“Fomos rebaixados em relação ao futuro possível. A pergunta que fica é: o que fazer para nos aproximar do que poderia ter sido”, afirma.
Quanto a isso, Lichand é otimista e menciona algumas “rotas de fuga”. Uma delas é dar prioridade às habilidades fundamentais que os alunos deveriam ter aprendido e não aprenderam durante a crise sanitária. Outra possibilidade são aulas de reforço no contraturno com base no desempenho do estudante, assim como programas de transferência de renda para incentivar a permanência na escola.
“Falar que essa é uma geração perdida não é bom, porque não é verdade. Nós só precisamos fazer escolhas políticas acertadas para ajudar a reconstruir o futuro dessas gerações”, diz.