O sangue corre solto em “A Princesa da Yakuza”. O que é ótimo! Como “Kill Bill” ensinou, ponta mais contemporânea de uma tradição de décadas, não existe filme com samurais sem membros decepados e cabeças rolando.
A violência estilizada mostrou-se, contudo, um meio empolgante para um fim inusitado desse trabalho do diretor Vicente Amorim. Galgando posições entre os filmes mais vistos na Netflix mundial, “A Princesa da Yakuza” tornou-se uma janela para um Brasil que pouca gente conhece.
Adaptado da graphic novel “Samirai Shiro”, de Danilo Beyruth, o filme adota como locação a Liberdade, bairro de São Paulo que é a maior comunidade nipônica fora do Japão. O universo fictício da trama levanta uma questão clara: os problemas de lá invariavelmente são refletidos aqui.
Entre eles, a influência da Yakuza, a máfia que controla o crime organizado no Japão, estendendo seus tentáculos ao redor do mundo. Essa bagagem também traz os conceitos de honra e lealdade, mas também de família e, mais uma vez, sangue.
No centro da história está Akemi (papel da cantora pop Masumi). Única sobrevivente de um clã de criminosos, ela foi trazida ainda bebê para o Brasil, escapando do massacre que dizimou sua família em Osaka.
Ela é criada e treinada por Chiba (Toshiji Takeshima), que molda suas habilidades como lutadora mas a deixa no escuro sobre sua herança. Ele sabe – e a gente também – que assassinos rivais não tardarão em bater em sua porta quando ela chegar na idade de reclamar seu direito de nascença.
O caldo entorna quando ela cruza o caminho de um estranho largado, em posse de uma espada samurai rara, com amnésia no hospital (papel de Jonathan Rhys Meyers, que traz um verniz internacional à produção).
Os dois formam uma aliança tênue para descobrir a identidade do sujeito, também habilidoso nas artes marciais, e desvendar o segredo da herança de Akemi. Entre um e outro, eles precisam combater os assassinos da yakuza, liderados por Takeshi (Tsuyoshi Ihara).
“A Princesa da Yakuza” não foge de problemas recorrentes em thrillers de ação. A narrativa muitas vezes se torna confusa, e a profusão de personagens que entram e saem da história não ajudam em sua clareza.
Por outro lado, Vicente Amorim já provou, desde seu trabalho anterior com o terror “Motorrad”, que entende o cinema como meio visual.
Ao lado do fotógrafo Gustavo Habda, ele cria uma composição urbana sofisticada e cuidadosa, traçando claramente uma linha entre dois mundos que entram em choque. É um estilo visual dinâmico que amarra uma trama sem medo de abraçar, de olhos bem abertos, as convenções do gênero.
O prazer ligeiro em experimentar diferentes partes do mundo sob as lentes do cinema ajudaram a popularizar “A Princesa da Yakuza” na Netflix. É uma tendência que já se tornou hábito.
Afinal, muito foi discutido nas últimas semanas sobre o baque que o gigante do streaming levou ao perder centenas de milhares de assinantes em todo o planeta. Mas não existe outra plataforma que proporcione um panorama tão eclético do cinema feito por outros países como a Netflix.
Os realizadores de “A Princesa da Yakuza” enxergaram esse caminho e criaram não só uma representação hiper realista de um pedaço de São Paulo, como terminaram com uma obra que, sem didatismo, dá uma lição de globalização na prática. Ou melhor, no metal afiado, batizado pelo sangue, de uma espada de samurai.