Com o fim da obrigatoriedade do uso das máscaras e das medidas de prevenção, o SARS-CoV-2 está circulando livremente na França e o segundo turno da eleição presidencial, no dia 24 de abril, é propício para a propagação do vírus. Dois especialistas franceses conversaram com a RFI Brasil sobre os riscos sanitários que envolvem a votação.
Com o fim da obrigatoriedade do uso das máscaras e das medidas de prevenção, o SARS-CoV-2 está circulando livremente na França e o segundo turno da eleição presidencial, no dia 24 de abril, é propício para a propagação do vírus. Dois especialistas franceses conversaram com a RFI Brasil sobre os riscos sanitários que envolvem a votação.
Taíssa Stivanin, da RFI
Durante a campanha, o governo francês anunciou que pacientes positivos para a Covid-19 estariam autorizados a participar da eleição. Essa decisão poderia aumentar a propagação do SARS-CoV-2 e a taxa de abstenção?
Às vésperas do segundo turno, muitos internautas questionaram nas redes sociais a estratégia do governo francês, que optou por não impor regras sanitárias mais rígidas durante a votação. Muitos se perguntam se os pacientes que contraem a Covid-19 – a maior parte deles assintomáticos nessa onda da pandemia – não poderiam transmitir o vírus involuntariamente na hora do voto.
“Há muitas pessoas que passam pelos locais de votação, de manhã até a noite, e que às vezes vão esperar uma hora em uma fila, sem distância física. Isso certamente aumenta o risco de transmitir o vírus”, explicou o infectologista francês Pierre Tattevin, que atua no hospital universitário de Rennes e é vice-presidente da Sociedade Francesa de Doenças Infecciosas.
O vírus também pode contribuir para o aumento do número de ausentes no segundo turno, ressalta o especialista. Algumas pessoas podem descobrir que estão doentes em cima da hora e ficarem em casa, o que elevaria, potencialmente, a taxa de abstenção.
No primeiro turno da eleição francesa, 26,31% dos eleitores, o equivalente a cerca de 12,8 milhões de pessoas, não participaram da votação. Os votos brancos e nulos não entram nesse cômputo. O número é bem mais elevado do que em 2017, mas menor do que em 2002. Na época, a taxa de abstenção de 28% favoreceu a qualificação de Jean-Marie Le Pen, pai da atual candidata da extrema direita Marine Le Pen, do partido Reunião Nacional, ao segundo turno da eleição.
“Como a Covid-19 ainda circula muito, é possível que alguns eleitores descubram que são positivos 48 horas antes do segundo turno. Será tarde demais para dar uma procuração para alguém votar no lugar. Isso pode contribuir um pouco para a ausência de alguns eleitores, mas, honestamente, acredito que há muitas outras razões, além da Covid-19 que contribuirão para a taxa de abstenção. Esse foi o caso no primeiro turno”, explicou o infectologista francês. “É importante, porém, manter a vigilância, porque o vírus ainda circula muito na França, inclusive entre vacinados, e os imunizantes não protegem bem contra o risco de contrair o vírus”, alerta.
Segundo o especialista francês, os eleitores idosos e que têm outras patologias e riscos de desenvolver uma forma grave da Covid-19 deveriam manter as recomendações feitas no auge da epidemia também durante a votação, mesmo tendo sido vacinados. O uso da máscara, frisa, é essencial para esse grupo. Os organizadores do pleito, diz, também deveriam adotar medidas simples para controlar a disseminação do SARS-CoV-2 nos locais de votação, como abrir as janelas para facilitar a ventilação. “Arejar o ambiente tem um impacto, porque o risco de transmissão envolve muitos parâmetros, como a variante que está circulando e a densidade da população, por exemplo. Abrir as janelas pode ajudar a diminuir o risco”, lembra Pierre Tattevin.
O infectologista francês ressalta, entretanto, que após dois anos de epidemia, o controle da circulação do vírus aos poucos será deixado de lado. “Vamos evoluir e aceitar, paulatinamente, a circulação do SARS-CoV-2 e o fato de que não podemos sempre estar alertas e usar máscaras em todas as ocasiões. A expectativa é que o novo coronavírus seja menos virulento e deixe as pessoas menos doentes. Estamos nesse caminho, mas o problema é que ainda não temos certeza se já chegamos a esse estágio da epidemia. Ainda há muitos pacientes nos hospitais, inclusive nas unidades de terapia intensiva”.
Neste contexto, os idosos e pessoas com doenças crônicas devem se proteger mais do que os outros, reitera. “Se há uma mensagem importante para essas eleições, é que pacientes com patologias devem prestar atenção quando estão nos locais de votação: não deixar de colocar a máscara e usar o álcool em gel, para não correr o risco de contrair o vírus na hora de ir votar”, insiste.
Risco Covid na eleição é equivalente a ir ao supermercado, diz epidemiologista
Para o epidemiologista Antoine Flahault, diretor do Instituto de Saúde Global da Faculdade de Medicina de Genebra, o risco de contrair o SARS-Cov-2 em um local de votação existe, mas ele não é maior do que ir ao supermercado ou à padaria. “O risco para os eleitores não é elevado, já que há pouca interação entre as pessoas. Haverá certamente focos de propagação, porque algumas pessoas se contaminam, mas não é um risco elevado”, avalia. O uso de sensores de CO2, aparelhos que medem a qualidade do ar, também é recomendado.
De acordo com ele, o problema maior está relacionado aos assessores que trabalham o dia todo em contato com o público. Mesmo que eles usem a máscara corretamente e a troquem com frequência, o risco existe na hora da refeição ou de tomar um café, por exemplo. “Há cerca de 64 mil locais de votação na França, e pelo menos cerca de 150 mil assessores, que precisariam ter uma segurança sanitária reforçada. Isso significa usar a máscara de maneira permanente e aconselhá-los, por exemplo, a tomar o café do lado de fora”, declara.
O epidemiologista também defende que o fim das restrições é uma decisão coerente dos governos europeus, que leva em conta o nível de vacinação da população e a menor virulência da variante ômicron e suas subvariantes, como a BA.1 ou a BA.2: ambas provocam uma infecção aparentemente mais benigna em imunizados e, por isso, não gera lotação nos hospitais. O especialista suíço lembra, entretanto, que as consequências a longo prazo de uma infecção pela Covid-19 ainda são uma incógnita.
“O Covid longo continua sendo o que há de mais desconhecido nessa epidemia. Ainda não sabemos quais serão as doenças crônicas que podem se desenvolver após a infecção, mas esperamos que as pessoas que usam máscaras no contexto atual terão menos risco de ter formas graves ou o Covid longo do que aquelas que não usam”, conclui.