Na fronteira oeste da Ucrânia com a Polônia, perto da cidade de Mostyska, as ucranianas Olena e Maria caminham em direção ao seu país após um mês e meio fora. As duas são de Slovyansk, no leste da região de Donetsk.
No dia 10 de março, quando russos se aproximavam da cidade, o marido de Olena pediu que ela deixasse o país com a filha. Olena e Maria foram para a casa de uma amiga na cidade polonesa de Szczecin, na fronteira com a Alemanha.
Mas elas tinham que dormir no chão. E Olena diz que tiveram dificuldade para encontrar emprego porque não falam polonês. Agora, estão voltando ao leste da Ucrânia, apesar da ameaça de novos ataques russos à região. O marido de Olena é motorista de ambulância e permanece em Slovyansk, a espera delas.
Quando perguntamos o que estavam sentindo ao retornar ao seu país, Olena abriu um sorriso. “Muito bem! Independentemente de qualquer coisa, estamos muito felizes de estar de volta à Ucrânia.”
Desde à invasão russa, estima-se que mais de 10 milhões de pessoas tenham deixado suas casas na Ucrânia, e 4,3 milhões delas fugiram do país. Mas conforme as linhas de frente se estabilizam e o país aprende a operar num estado de guerra, alguns ucranianos começam a fazer a jornada de volta à casa, até mesmo a áreas diretamente ameaçadas pelas forças russas.
A guerra já entra pelo segundo mês. A Ucrânia conseguiu evitar uma tomada rápida do país pela Rússia e impediram que invadissem a capital, Kiev. O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, lembrou à população essa semana que se passaram 48 dias desde que analistas militares europeus e americanos previram que Kiev tinha só 48 horas até ser totalmente dominada pelos invasores.
Pessoas com quem a BBC conversou na fronteira com a Polônia disseram que estavam cansadas da vida de refugiados. Outros estavam desesperados para voltar devido a questões práticas — para coletar documentos importantes deixados para trás na confusão da invasão, proteger suas casas de saqueadores ou até buscar crianças que ficaram no país.
E, para alguns, o apego ao lar, amigos e à família é simplesmente forte demais. Sofia está comendo um cachorro-quente de uma das barracas de comida na fronteira. Ela está desafiando as ordens da mãe ao escolher retornar à Ucrânia após passar três semanas em segurança na Polônia. Guerra é guerra, mas Páscoa é Páscoa — ela quer rever a família no fim de semana.
A jovem de 20 anos cruzou a fronteira até a União Europeia no final de março para ficar com uma amiga da avó em Poznan, depois que os russos bombardearam a sua cidade natal.
“Minha mãe me obrigou, ela estava em pânico”, diz Sofia. Mas ela não se acostumou à vida fora do seu país, apesar da ajuda a refugiados que grupos humanitários e o governo polonês organizou.
“Você se sente um estrangeiro”, diz ela. “Todo mundo está te ajudando, mas você não se sente em casa.” Ela espera se fixar na cidade de Lviv, que por enquanto está relativamente tranquila em meio à guerra.
Dados oficiais sugerem que mais pessoas estão tomando a mesma decisão. Autoridades da fronteira polonesa dizem que os números dos que deixam e entram na Ucrânia estão se aproximando.
Na quarta-feira (13/4), 24,7 mil pessoas entraram na Polônia, vindas da Ucrânia, enquanto 20 mil fizeram o caminho oposto. É uma grande mudança comparada ao recorde de 142 mil pessoas que cruzaram a fronteira em direção à Polônia no dia 6 de março.
A estação de trem Lviv-Holovnyi é chave para viabilizar o trânsito de pessoas no oeste da Ucrânia. Trens trazem a Lviv milhares de pessoas vindas de regiões arrasadas pela guerra. Do lado de fora da estação, organizações de caridade entregam comida, roupas e chips de celular, enquanto ônibus fazem fila para levar os viajantes ao interior ou à fronteira.
Embora a maioria das pessoas cheguem aqui vindas do leste, um grupo cada vez maior começa a fazer a jornada na direção oposta — uma escolha potencialmente fatal.
‘Lar é lar’
Iryna, a filha dela, Katerina, a mãe, Lina, e a sogra, Yevgenya, são de Kryvyi Rih, uma cidade no centro da Ucrânia, perto das linhas de batalha. Elas inicialmente deixaram o país para ficar com parentes na Moldova, mas decidiram retornar. Tiveram que comprar passagens para a viagem, por estarem indo na direção leste. As jornadas em direção ao oeste são oferecidas de graça.
Iryna diz que gostaria de ter voltado antes, mas teve que esperar que a filha de 8 anos se recuperasse de uma doença. “Lar é lar”, diz ela, quando perguntamos por que decidiram voltar.
Ela admite que se preocupa com a segurança da filha. Perguntamos o que elas disseram à Katerina sobre a sobre a situação. “Contamos a verdade”, diz Iryna.
Alguns alertam contra retornar para o leste da Ucrânia. Voluntários numa clínica localizada acima do saguão principal da estação dá orientações médicas e apoio psicológico aos recém-chegados. Irena Bous é um deles.
Antes da guerra, ela era jurada da Organização de Dança Internacional e organizava competições pela Ucrânia. “Eram danças de todo tipo, de hip hop a jazz e break”, conta.
Uma amiga dela no gabinete do governador de Lviv soube que ela era boa com organização e pediu que ela ajudasse após a invasão russa. Irena conheceu várias pessoas que estão retornando a áreas marcadas pela violência da guerra. “É uma má ideia (retornar ao leste)”, diz Irena, “Nós tentamos salvar a vida deles, mantendo-os em Lviv”.
Ela nos contou sobre uma mulher que veio a Lviv da sua casa, perto de Bucha, um rico subúrbio de Kiev onde tropas russas assassinaram civis e deixaram os corpos nas ruas. Após nove dias, ela decidiu retornar, contrariando o conselho de Irena.
“Eu disse, ‘por favor espere, não há mais russos lá, mas tem outras coisas, como bombas e minas. Espere até que sejam desativadas?”, diz Irena. A mulher viajou de volta mesmo assim, dizendo que amigos haviam encontrado para ela um lugar para ficar.
Uma outra mulher com quem Irena conversou, que está na casa dos 60 anos, tinha fugido para a Polônia antes da guerra começar, mas retornou à Ucrânia e embarcou num trem para o leste na semana passada. “Eu não sei quanto tempo vou viver, mas vou morrer na minha casa”, disse ela a Irena.
Outros que conhecemos não chegaram a deixar a Ucrânia. No Arena Lviv, um estádio construído para o torneio de futebol Euro 2021, mas que agora abriga refugiados, conhecemos Roma, um jovem de 19 anos de Mykolaivm, na costa do Mar Negro da Ucrânia, e sua nova amiga Iryna, uma avó de Severodonetsk, na região de Luhansk.
Os dois nunca tinham se conhecido até aquele dia, mas haviam decidido ficar juntos. Iryna cruzou a Ucrânia até a fronteira com a Polônia nos dias seguintes à invasão, com a ideia de fugir da guerra. Depois de ficar numa fila por horas, para cruzar a fronteira, mudou de ideia de última hora.
O filho dela está no Exército da Ucrânia e ela soube que sua cidade havia sido recapturada por forças ucranianas, o que abriu caminho para que voltasse para casa.
“Eu não consegui convencer a mim mesma a deixar (o país)”, disse ela. Mas, desde então, Iryna tem se locomovido pelo oeste da Ucrânia — uma vez dormiu numa creche em Lviv, antes de acabar na Arena Lviv com Roma.
Um ônibus que iria para o interior tinha um lugar livre sobrando mas, apesar das repetidas ofertas, Iryna se recusou a embarcar e decidiu ficar com o novo amigo. Agora, ela e Roma, assim como milhões de outros, enfrentam o futuro incerto de pessoas desabrigadas dentro do próprio país.
Com a opção de ter um status de refugiado no exterior ou viver sem raízes na Ucrânia, não surpreende que alguns estejam arriscando as vidas para retornar às suas casas.