Prefeitos confirmam a senadores que pastores pediram dinheiro para liberar verba do MEC – Notícias


Três prefeitos ouvidos nesta terça-feira (5) na Comissão de Educação do Senado relataram que houve pedido de dinheiro e até de ouro por parte do pastor Arilton Moura, amigo do ex-ministro da Educação Milton Ribeiro, para a liberação de recursos da Educação. Os depoimentos ocorrem após escândalo envolvendo a atuação de dois pastores no MEC (Ministério da Educação) na intermediação de verbas aos municípios.


A ação dos pastores foi relevada pelo jornal O Estado de S. Paulo, no mês passado. Posteriormente, também foi divulgado um áudio no qual o ex-ministro diz que dava prioridade a pedidos feitos pelo pastor Gilmar, por demanda do presidente da República, Jair Bolsonaro. O áudio foi publicado pelo jornal Folha de S.Paulo.



Prefeito de Bonfinópolis, em Goiás, Kelton Pinheiro afirmou aos senadores que no ano passado foi abordado por uma pessoa pedindo o seu telefone, para que um pastor entrasse em contato. Depois, ligaram para ele perguntando se gostaria de se encontrar com o pastor Gilmar para marcar um encontro com o MEC. A reunião com Gilmar ocorreu em Goiânia, na sede da igreja presidida pelo pastor. No local, também estava o pastor Arilton.


Na ocasião, Arilton disse, segundo o prefeito: “Olha, vou ser direto com você. Temos um canal bom com o ministro, temos levado prefeitos às reuniões para acelerar liberação de recursos”. Ele, então, questionou qual era a demanda de Bonfinópolis, e o Kelton Pinheiro falou sobre a necessidade de um novo prédio para uma escola que estava em situação precária. O pastor o orientou a fazer um ofício para despachar com o ministro. 



Sem entender a situação em que se encontrava, o prefeito perguntou o motivo pelo qual o estavam ajudando. Segundo Kelton, Arilton disse que não havia um motivo específico, mas naquele momento pediu uma “contribuição” para a igreja de Gilmar, que seria a compra de mil bíblias a R$ 50 cada (total de R$ 50 mil). O prefeito explicou que não tinha condição de fazer a aquisição, mas mesmo assim uma reunião foi marcada para a semana seguinte, dia 11 de março, no MEC.


No local, no auditório, o ex-ministro Milton Ribeiro estava na mesa de autoridades, ao lado dos dois pastores, o presidente do FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação), Marcelo Lopes da Ponte, e técnicos do ministério. O prefeito detalhou que Ribeiro deu uma palestra, começando com a leitura de um trecho bíblico. Na ocasião, ele frisou que não havia necessidade de prefeitos procurarem intermediários, que poderiam sempre dialogar direto com o MEC.



Depois, os gestores foram atendidos por técnicos. Em seguida, Arilton os convidou para um almoço no restaurante Dona Zélia. No local, Arilton abordou o prefeito, que estava sentado com a sua esposa e o pastor Gilmar, e foi direto: disse que para ajudá-lo a liberar R$ 7 milhões para a obra de uma escola o gestor municipal teria de pagar R$ 15 mil.


“Ele disse: ‘Eu preciso de R$ 15 mil na minha mão hoje. Faz uma transferência para a minha conta. Esse negócio para depois não cola para mim, não. Vocês políticos são malandros. R$ 15 mil para você, que está com o pastor Gilmar. Para os outros é R$ 30 mil, R$ 40 mil'”, relatou Kelton, que afirmou que Gilmar permaneceu calado. O prefeito diz ter respondido que não tinha esta quantia e que, mesmo se tivesse, não pagaria. Em seguida, conta conta ter ido embora imediatamente. 


“Depois de uma semana, recebi de novo ligação do pastor Arilton. ‘Prefeito, você tem interesse de concluir o negócio’, e eu disse que não. Eu pensei que naquele momento tratava de um golpe, de um golpista querendo ludibriar prefeitos de boa vontade, para tentar tomar um dinheiro aqui, vendendo facilidades que não tem. Fica ali do lado do ministro e vai vender isso para as pessoas”, afirmou. Ele explicou que não denunciou imediatamente por achar que era um golpista em uma ação isolada. Sem pagar a quantia, o município nunca recebeu os recursos que precisava para a escola, e o pedido continua em análise.


O prefeito José Manoel de Souza, de Boa Esperança Do Sul, em São Paulo, contou história parecida, com uma reunião no MEC e em seguida um almoço em um restaurante de um hotel, em Brasília. No local, o pastor Arilton o abordou e disse que diante do tamanho do Brasil era difícil ajudar todos os municípios, mas que ele conseguiria ajudá-lo com a construção de uma escola profissionalizante.


Manoel precisaria apenas assinar um ofício e depositar R$ 40 mil na conta de uma igreja. O prefeito relata que não aceitou, almoçou com outros dois prefeitos e foi aeroporto para retornar à sua cidade. O gestor municipal também pontuou que na reunião no MEC o ministro e o presidente do FNDE estavam sentados na mesa principal ao lado dos pastores Gilmar e Arilton.


“Veja que a metodologia, o modus operandi da corrupção era o mesmo. Primeiro, o ministro reúne, faz discurso contra a corrupção, mas quem está do lado? Pastores Gilmar e Arilton. Aí ele faz para as telas e para os prefeitos um discurso contra a corrupção, mas está lá qualificando os dois intermediadores. Ocorre o encontro de manhã, e depois eles se deslocam para o local de almoço, onde os leões atacam”, pontuou o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) na comissão.


O prefeito de Luís Domingues, no Maranhão, Gilberto Braga (PSDB), também prestou depoimento no Senado. Ele confirmou o pedido de um quilo de ouro por parte do pastor Arilton, em troca da liberação de recursos da Educação para o município, que possui 7 mil habitantes. A solicitação ocorreu durante almoço em Brasília, em 7 de abril do ano passado, após uma reunião no prédio do MEC.


O prefeito Gilberto Braga já havia dito à imprensa que recebeu um pedido de um quilo de ouro do pastor Arilton. Aos senadores, ele detalhou que foi chamado para uma reunião no MEC, com outros prefeitos, principalmente gestores de cidades com obras inacabadas. Na ocasião, o ex-ministro fez uma palestra e se colocou à disposição para ajudar os municípios. À mesa, junto com Ribeiro, estavam os dois pastores. Em seguida, foram almoçar, já sem o ministro.


“Nesse almoço, tinha uma faixa de 20 a 30 prefeitos. A conversa era bem aberta. Ele [pastor Arilton] virou para mim e perguntou sobre as minhas demandas. Eu apresentei para ele e ele disse: ‘Você vai me arrumar os R$ 15 mil para protocolar as suas demandas e quando os recursos estiverem empenhados você vai me trazer um quilo de ouro, porque a sua região é de mineração’. Eu não disse nem que sim nem que não, me afastei da mesa e fui almoçar”, afirmou Gilberto.


A reportagem está tentando contato com os pastores Arilton e Gilmar. O espaço segue aberto para manifestação.


No dia 25 de março, Gilmar publicou uma nota em suas redes sociais assinada pela Cemaid (Convenção Estadual de Igrejas e Ministros das Assembleias de Deus, Ministério Cristo Para Todos, no Maranhão), em apoio ao pastor e repudiando o que chamou de “campanha irresponsável, covarde e sistemática, de difamação e desmoralização da pessoa do pastor Gilmar Santos”.


Após a divulgação de uma série de informações sobre o caso envolvendo os pastores, Milton Ribeiro pediu demissão do cargo no MEC. Em carta, o ex-ministro justificou que após tomar conhecimento, em agosto de 2021, acerca de “uma pessoa” (que ele não cita o nome) que estaria cometendo irregularidades, ele denunciou à CGU (Controladoria-Geral da União). A informação foi dita por ele também em entrevista à TV Record. No entanto, o R7 mostrou que mesmo depois de ter denunciado os dois pastores, ele participou de um evento evangélico com ambos e os chamou de “amigos”.


Sem propina


Outro prefeito que prestou depoimento nesta terça-feira, Helder Aragão, de Anajatuba (MA), deu um relato parecido, com o mesmo encontro em um restaurante, mas garante não ter recebido pedido de propina. “Fiz três ofícios a pedido dele [pastor Arilton] e entreguei na sede do ministério antes da reunião [no MEC]. Em nenhum momento o pastor Arilton me pediu nada. Não sei se em razão do tempo, do horário avançado, todo mundo muito cansado”, disse.


O prefeito foi questionado pelos senadores por que, no seu caso, o município teve liberação de recursos. Ele alegou que o montante era pequeno, não atendendo percentual mínimo necessário para realizar as obras que ele precisava e que os valores foram apenas empenhados e não efetivamente pagos.

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