A escritora paulistana Lygia Fagundes Telles, morta aos 98 anos, deu algumas entrevistas à Folha ao longo da carreira, detalhando seu processo criativo, obras e reconhecimento no setor literário.
Autora de sucessos como “Antes do Baile Verde”, de 1970, “As Meninas”, de 1973, e “Ciranda de Pedra”, de 1954, a escritora é um marco na literatura brasileira e recebeu os principais prêmios do setor —foi ganhadora do prêmio Camões em 2005, o maior troféu da literatura em língua portuguesa, além de ter vencido o Jabuti em 1966, 1974, 1996 e 2001.
Veja a seguir as principais entrevistas que Lygia deu ao jornal e conheça mais sobre o nome por trás de alguns dos livros mais importantes da estante nacional.
1958
Primeira capa da história da Ilustrada, Lygia disse à Folha, em 1958, que gostaria de ver o filho seguindo a carreira de escritor, mas que sua prioridade era vê-lo seguir a própria vocação, independente de qual fosse.
“É claro que a tendência dos pais é gostarem que seus filhos sigam a sua carreira. É uma virtude para os pais verem seus filhos brilhar no mesmo setor de atividade em que eles próprios brilharam”, disse a escritora. “Mas, acima de tudo, eu gostaria que meus filhos seguissem a própria vocação. Se tiverem dentro de si a vocação literária, porém, para mim seria um prazer.”
O único filho da escritora, Goffredo Telles Neto, seguiu a carreira de cineasta e morreu aos 52 anos, em 2006.
2001
“Sou um ser muito sensível ao reconhecimento”, afirmou Lygia logo após receber o prêmio Jabuti por “Invenção e Memória”, uma coletânea de 15 contos que mescla, em narrativas curtas, lembranças pessoais e ficção.
“Eu não faria uma autobiografia. Não vai ter graça esse livro. Não sou uma narcisista, não me encanto com as coisas que aconteceram comigo. Eu quero sempre dar a esse testemunho um lado sedutor. Aí entra a invenção”, completou.
“Em ‘Dom Casmurro’, talvez o romance que eu mais ame de Machado de Assis, Bentinho diz que tentou juntar as extremidades da vida, para compreender o que estava acontecendo. Ele não conseguiu. Talvez eu também estivesse tentando explicar a minha vida voltando para a infância. Expliquei? Não! Nem para os outros nem para mim mesma. Mas, enfim, se os outros gostaram, está justificada a tentativa.”
2002
Pouco após publicar “Durante Aquele Estranho Chá” —livro que reúne intensas memórias de Lygia, como as de seus encontros com personalidades como Simone de Beauvoir, Jean-Paul Sartre e Hilda Hilst—, a escritora esmiuçou os detalhes de sua escrita à Folha.
Questionada se é possível haver uma rememoração objetiva na literatura, a escritora disse: “É muito complicada essa caracterização. Você pode dizer ‘memórias’. E se eu inventar, nas minhas memórias, eu tenho o direito?”
“Nesse salão de ideias, vão perguntar sobre o mistério da criação —que continua um mistério, porque a natureza humana, por mais que eu tente me aproximar dela, é incontrolável e inexplicável”, afirmou.
“Agora entendo como o Mário [de Andrade] sorria e se esgueirava. Era porque ele não podia responder, como eu não estou podendo responder hoje. São perguntas que não têm respostas claras, porque na própria natureza profunda dessas perguntas está a ambiguidade. É bom? É ruim? A gente não pode separar as coisas como nos laboratórios de química.”
Dias após a entrevista presencial, a escritora fez ainda questão de telefonar para a repórter para acrescentar uma declaração. “Tudo depende do acaso e do imprevisto. Gosto muito de Wittgenstein. Ele diz uma das coisas mais lindas da filosofia: ‘O conhecimento é uma ilha cercada de um oceano de mistério. Prefiro o mistério à ilha’. Eu também penso assim.”
2007
No embalo do lançamento de “Conspiração de Nuvens”, Lygia comentou sobre a morte de seu filho, ocorrida em 2006, e as mazelas sociais que rondam o Brasil.
A escritora disse que a morte de Goffredo Telles Neto a deixou cheia de incertezas sobre a vida e, por isso, decidiu escrever novas histórias, num tipo de refúgio das dores que sentia. “A lembrança do meu filho está em tudo”, afirmou.
Na mesma entrevista, ela disse que vinha sendo constantemente assediada para participar de eventos e conferências, mas que, na maioria das vezes, preferia ficar em casa, lendo livros, tarefa que classificou como “em extinção”.
“Quem está em processo de extinção é o leitor, que lê pouco ou não entende o que lê. Já o escritor anda aparecendo por toda parte. Ainda bem, estão aí todos lutando, escrevendo, as prostitutas fazendo suas memórias. Que façam, que escrevam, tudo é válido. Mas leiam.”
A escritora comentou ainda o cenário social brasileiro da época e defendeu que intelectuais reforçassem, em seus discursos e análises, a miséria e o analfabetismo presentes no país, o que ela considerava um assunto ofuscado e pouco discutido.
“O dia em que o Brasil tiver mais creches e mais escolas vai ter menos hospitais e menos cadeias.