Na contramão da posição defendida pelo governo e pelo presidente Jair Bolsonaro (PL), o clima na Frente Parlamentar da Mineração é de uma maioria de deputados contrários ao Projeto de Lei 191/2020, que prevê a legalização da mineração e do garimpo em terras indígenas. É o que relata seu presidente, o deputado Nereu Crispim (União-RS), que também é contrário à proposta do projeto, visto por ele como, ao mesmo tempo, problemático e ineficaz.
No entendimento do deputado, não há o que se falar em projetos que aumentem a demanda sobre a Agência Nacional de Mineração (ANM) em um momento em que esta se encontra em sobrecarga. “Uma das nossas lutas é justamente fazer com que a agência funcione. A realidade enfrentada por ela é de, em muitas agências, não funcionar nem ferramentas básicas como telefone e elevador, como é o caso do Rio Grande do Sul”, explicou.
O parlamentar destaca que existem ao menos 200 mil processos de abertura de empreendimentos de mineração que ainda estão na fila da análise da ANM, que sofre tanto com a falta de recursos humanos para dar agilidade nos pedidos quanto a falta de uma legislação unificada no setor, tornando mais demorada cada uma das análises. O projeto, ao seu ver, pode piorar a situação de sobrecarga enfrentada pela agência.
Crispim acrescenta que, no atual momento, o poder executivo não é capaz de fiscalizar empreendimentos que venham a ser abertos com o projeto. “Nós não estamos preparados para fazer licenciamento ambiental dentro de reserva indígena. A ANM não tem braço para isso agora. Nós não temos instituições preparadas para avaliar o que realmente deve ser analisado para fazer mineração com segurança nessas terras”, declarou.
Em sua análise, os únicos beneficiados com o projeto seriam as empresas de grande porte, com maior capilaridade nas agências reguladoras, que ganham vantagem competitiva contra as menores, com processos emperrados. “Nós não precisamos dessas aventuras, não precisamos de algo que replica o que acontece com o petróleo brasileiro, que é exportado sem pagar quase nada de imposto”, disse.
Além das implicações intrínsecas à mineração, Crispim aponta para as implicações ambientais resultantes do projeto. “No caso das reservas indígenas, temos que ter muito cuidado, exatamente porque existe hoje um apelo muito forte em questões ambientais. O Brasil, inclusive, fez parte da COP26, e assumiu uma série de compromissos para deter as mudanças climáticas”, relembra.
Questão do potássio
A votação do requerimento de urgência do Projeto de Lei 191/2020 se deu poucos dias após o início da guerra entre Rússia e Ucrânia: dois grandes fornecedores de potássio, matéria-prima dos fertilizantes utilizados para propiciar a produção de grãos e frutos na agricultura. Um dos argumentos usados pelo governo para o regime de urgência foi a suposta existência de grandes reservas de potássio na Amazônia, que poderiam ser extraídas com a aprovação do projeto.
Nereu Crispim afirma ser falacioso o argumento do governo. “Essa é mais uma pauta que está sendo alegada de forma irregular. Nós temos diversas pedreiras no Brasil onde há comprovação técnica de que a rochagem serve para a agricultura. E diversas dessas pedreiras estão inexploradas justamente por fazer parte dos processos que estão parados”, aponta.
O argumento do potássio, segundo o parlamentar, também foi fruto do interesse privado. “O que existe na realidade é um lobby muito grande de importadores que se beneficiam desses contratos. Temos inclusive o caso da fábrica de fertilizantes no Mato Grosso do Sul que está sendo comprada por investidores russos”, afirmou. A fábrica em questão é uma instalação da Petrobras, que está em processo de aquisição da russa Acrom.
O deputado considera que, para o desenvolvimento da Amazônia, os caminhos mais eficazes seriam investimentos no setor de ecoturismo ou a regulação do mercado de carbono, setor que tornaria a floresta uma referência mundial na criação de créditos. “Nós não temos essa necessidade de fazer mineração dentro de reserva indígena, quando poderíamos ter superávit justamente dando andamento aos outros mais de 200 mil processos inertes na ANM”.