Quem é falso médico que amputou paciente e se passou por pastor

O falso médico Gerson Lavísio, 32, preso após amputar a vítima de um engavetamento em uma rodovia no interior de São Paulo, já adotou outras táticas para tentar aplicar golpes, como fingir ser um “coach cristão” e mentir sobre sua identidade até mesmo para uma ex-namorada, que descobriu que ele se relacionava com outra mulher ao mesmo tempo.

Em registros de 2020, gravados por testemunhas, o homem aparece atendendo e pregando a fiéis de igrejas, dando conselhos espirituais e até mesmo previsões sobre o futuro dos devotos.

Uma reportagem de ontem do “Fantástico”, da TV Globo, mostrou que Gerson se passava por pastor e anunciava cultos em organizações que não existiam, usando as redes sociais. Ele também foi acusado de pedir dinheiro para viagens missionárias que nunca foram realizadas.

“A gente começou a ajudar, foi pouco mais de R$ 16 mil. Esse valor ninguém sabe para o que foi usado, na realidade”, detalhou uma das vítimas do golpe, que preferiu não se identificar.

Ex enganada

O falso médico também enganou uma ex-namorada. Ao “Fantástico”, Regiane Arabi contou que conheceu Gerson pela internet e o ajudou financeiramente com algumas contas, sem nunca receber de volta a quantia emprestada.

“As minhas amigas me alertavam. Falavam: ‘cuidado, porque ele não é médico'”, lembrou a mulher ao ser questionada sobre possíveis comportamentos estranhos do ex. “Agora quem vai desvendar ele sou eu. Por que ele vai ficar enganando mais quantas pessoas? Vai entrar na fragilidade das pessoas até quando? Ele tem que parar. Alguém tem que parar ele”, afirmou Regiane, explicando a decisão de contar a própria versão da história.

Além de descobrir que o namorado era um falso médico, a jovem teve outra surpresa ao saber que Gerson se relacionava com outra mulher. Em conversas, elas perceberam que ele mandava as mesmas mensagens para as duas.

“Minha versão foi dada na delegacia”

Também procurado pela reportagem da TV Globo, que perguntou sobre sua verdadeira formação profissional e pediu um posicionamento sobre as outras acusações feitas contra ele, o falso médico preferiu não responder, desligando o telefone.

“Minha versão já foi dada na delegacia, entendeu? Já prestei depoimento e agora vou marcar o dia da audiência. E é isso”, declarou.

Aos policiais rodoviários federais, após a verificação no CRM (Conselho Regional de Medicina) acusar a farsa, Gerson teria dito que tem formação apenas como socorrista, sendo detido em seguida.

Apesar da admissão do golpe, ele foi liberado após assinar um termo circunstanciado, explicou a SSP (Secretaria de Segurança Pública), em nota.

Diploma falso

Gerson Lavísio ordenou a amputação da perna de uma vítima de engavetamento na rodovia Presidente Dutra, na altura de Lavrinhas, a 230 km da capital de São Paulo.

Ele usava um diploma falso para exercer a medicina ilegalmente e foi denunciado ao MPF (Ministério Público Federal) na terça-feira (15), sendo detido em Pindamonhangaba, também no interior paulista. De acordo com informações obtidas pelo UOL, ele trabalhava há apenas quatro dias na equipe médica da rodovia quando atendeu a ocorrência que acabou revelando a fraude, no domingo (13).

O suspeito atuava em nome da concessionária que administra a rodovia Presidente Dutra e autorizou a amputação da perna de um dos motoristas envolvidos no engavetamento de três caminhões, um homem de 36 anos, que estava preso às ferragens.

O procedimento, realizado ainda na rodovia, teria acontecido com uma técnica considerada “duvidosa” pelos profissionais de saúde, o que despertou dúvidas de outros médicos da equipe, responsáveis por acionar a Polícia Rodoviária Federal.

“A conduta que ele tomava não era de um médico. Por exemplo, quando é problema de coluna, a gente tem que aplicar um analgésico, ou até mesmo um remédio via oral, mas o que ele fez? Ele aplicou um calmante, 10 mg na veia. O usuário ficou desfalecido, já não estava nem andando mais. E também teve um paciente que precisou ser suturado. Ele fez a sutura, mas os pontos que ele fez estavam todos irregulares, ele não conseguia fazer o laço do ponto. E fez tudo errado”, disse um dos colegas, que preferiu não se identificar, para a reportagem do Fantástico.

Ao consultarem os documentos do suspeito, os policiais descobriram que ele usava um CRM que estava em nome de outro profissional, que já havia morrido. O falso médico então foi levado à delegacia da Polícia Civil onde prestou depoimento e confessou não ser médico, segundo informações das autoridades.

O que a concessionária diz

A reportagem do UOL procurou a concessionária CCR RioSP, que administra a rodovia e é responsável pelo serviço de socorro na via, que afirmou que o falso médico atuava como funcionário terceirizado e foi desligado logo após a ocorrência.

“A Concessionária RioSP lamenta muito o ocorrido e se solidariza com a vítima e seus familiares. O falso médico foi desligado imediatamente e não presta mais serviços à terceirizada Enseg, empresa contratada pela concessionária. Infelizmente também fomos vítimas desta fraude que se consumou com o exercício ilegal da profissão, atingindo a todos”, disse a empresa no texto.

“Desde o dia do acidente, realizamos diversas apurações técnicas e estamos prestando apoio às autoridades competentes na investigação do acidente e vamos procurar os familiares em seguida para prestar toda a assistência necessária para minimizar os danos causados”, conclui o comunicado. Na sexta-feira, em novo comunicado, a CCR passou a negar amputação na rodovia.

A empresa Enseg, terceirizada contratada pela CCR RioSP responsável pela contratação do falso médico também foi procurada, mas, até a publicação dessa reportagem não se manifestou sobre a situação.

Falso médico tentou se inscrever no Cremesp

Como parte da farsa, Gerson Lavisio também protocolou um pedido de inscrição junto ao Cremesp (Conselho Regional de Medicina de São Paulo), utilizando um diploma falso. Ele alegava ter se formado em 2021 em uma universidade paulista de medicina, segundo informações do órgão, que recebeu o pedido do suspeito no mês passado.

“O falso médico apresentou o protocolo de solicitação de inscrição no Cremesp, o que foi considerado suficiente para sua contratação pela Enseg. Vale ressaltar que Gerson não possuía número de CRM e, portanto, não estava habilitado para atuar. O Cremesp esclarece, ainda, que vai investigar a contratação do falso médico por parte da Enseg e de outras instituições aonde o mesmo atuou, e que adotará as providências cabíveis”, explicou o Conselho.

Deixe um comentário