Dave Grohl pega a guitarra para mostrar suas novas ideias de música aos colegas de banda. Na primeira tentativa, surge o riff de “All My Life”, sucesso do Foo Fighters de 20 anos atrás. Depois, o de “Everlong”, hit da banda lançado há 25 anos. Noutra cena, o vocalista tem um encontro com o espírito de Lionel Richie, enquanto toca uma música do cantor ao piano, como se estivesse compondo algo próprio.
As cenas do bloqueio criativo de Grohl estão em “Terror no Estúdio 666”, uma comédia de terror estrelada não só pelo cantor, mas por todos os seis integrantes do Foo Fighters. A partir da falta de ideias para fazer novas músicas, o músico acaba incorporando um espírito demoníaco e fica obcecado em finalizar um épico de mais de 40 minutos, o que pode levar o músico a matar todos os colegas de banda.
A história tem alguma relação com a feitura do último disco do Foo Fighters, “Medicine at Midnight”, gravado em 2019 —quando a ideia do longa-metragem surgiu— e lançado no ano passado. Isso porque o Foo Fighters se reuniu numa casa antiga na mesma rua onde Grohl morava anos atrás, em Los Angeles, para gravar as novas músicas.
“Quando você entra numa casa velha, construída há 60 ou 70 anos, acredito que haja uma energia deixada por lá, das pessoas que viveram —e morreram— nela. Quando fomos gravar, todo mundo começou a notar uma energia estranha”, Grohl disse há um ano, falando sobre a feitura do décimo disco da banda, mas poderia muito bem estar descrevendo o filme que ele lança agora.
Em “Estúdio 666”, o sexteto se reúne nesta casa mal-assombrada, como uma banda estabelecida, com décadas de carreira, tentando encontrar inspiração para voltar a fazer música relevante. Mas a verdade é que a trama é o menos importante, em meio ao sangue, às mortes hilárias e uma tonelada de clichês de filmes de terror e de rock.
Sem a pretensão de conquistar reconhecimento em premiações ou festivais, o filme é divertido justamente por se levar pouquíssimo a sério. Os seis atores principais, por exemplo, não são exatamente atores, e é aí que mora a graça —ainda que o histórico guitarrista Pat Smear, ex-Nirvana e há anos no Foo Fighters, demonstre ter um talento próprio em frente às câmeras.
Dave Grohl também não faz feio como ator, algo já conhecido pelo menos desde suas performances memoráveis, que marcaram época na MTV, em clipes como “Everlong” e “Learn to Fly”. Ele também dá vida ao demônio no filme “Tenacious D – Uma Dupla Infernal”, uma comédia musical de rock de 2006 com a qual “Estúdio 666” tem vários paralelos —incluindo o “pacto com o diabo” para compor a música de rock perfeita.
O filme do Foo Fighters —que, aliás, se apresenta no próximo dia 27, no Lollapalooza Brasil— também dialoga com clássicos do cinema roqueiro, como “Detroit Rock City”, de 1999, que conta uma história com a banda Kiss, ou “Rock ‘n’ Roll High School”, com os Ramones, de 1979. Curiosamente, filmes de banda são raridade nas telonas hoje em dia, e a própria decadência do rock é motivo de piada em “Estúdio 666”.
Dirigido por BJ McDonnell (de “Terror no Pântano 3”) e escrito por Jeff Buhler e Rebecca Hughes —a partir de uma ideia de Grohl—, a comédia de terror do Foo Fighters é certamente mais longa do que seu conteúdo sugere, com quase duas horas de duração. Mas também cumpre o que se propõe, que é divertir por meio dos exageros e da falta de compromisso com qualquer coisa que passe perto do conceito de seriedade.
“Terror no Estúdio 666” é um reencontro da banda com um despojamento que, na prática, anda em falta não só em “Medicine at Midnight”, o disco gravado na “casa assombrada”, mas em toda a produção mais recente do Foo Fighters —e que é, de certa forma, essencial para qualquer banda de rock.