Foi nesta região onde o indigenista Bruno Pereira e o jornalista britânico Dom Philips desapareceram no último domingo (05/06). Equipes de indígenas fazem buscas no local desde então. Órgãos oficiais, como Marinha, segundo Marubo, só reagiram depois da grande repercussão do caso.
“Além das buscas de salvamento, é importante fazer uma investigação policial. É um caso de polícia. Tem que haver uma investigação ampla pra investigar as quadrilhas profissionais que atuam naquela região. Essas quadrilhas estão acabando com os recursos naturais”, pontua Marubo, que está acompanhando as buscas.
Em entrevista à DW Brasil, o indígena contou ainda como estão sendo as buscas e falou sobre a situação na região, onde invasões e a violência aumentaram durante o governo de Jair Bolsonaro.
DW Brasil: Como estão as operações de busca neste momento?
Beto Marubo: Os trabalhos de busca foram iniciados pela Univaja assim que percebemos que Bruno e Dom não tinham chegado ao destino no tempo esperado. Isso foi no domingo e a nossa equipe está incansável em campo. Eu vim para Atalaia do Norte, interior do Amazonas, acompanhar as nossas equipes. A ideia é subsidiar os outros órgãos oficiais com informações.
Muita coisa mudou desde domingo A pressão da imprensa nacional e internacional mudaram a resposta oficial. Até então, as providências estavam muito aquém do que estávamos precisando. Só havia uma equipe de policiais militares e de indígenas, e a Marinha chegou depois. Não existia até então contingente do Exército e Polícia Federal. Cada hora perdida no meio da selva é problemático. Cães farejadores, bombeiros especialistas são importantes.
É possível fazer algo além da busca?
Além das buscas de salvamento, é importante fazer uma investigação policial. É um caso de polícia. Tem que haver uma investigação ampla, com Polícia Federal pra investigar as quadrilhas profissionais que atuam naquela região. Essas quadrilhas estão acabando com os recursos naturais da nossa Terra Indígena Vale do Javari, afetando o bem-viver dos povos isolados que dependem dos recursos naturais e matando aqueles que cuidam da nossa TI, como o Bruno Pereira, como o Maciel, que foi morto em 2019 e até hoje não houve uma resposta da PF.
Como vocês estavam acompanhando os passos de Bruno e Dom até o desaparecimento deles?
Bruno iria visitar um local onde os indígenas estavam fazendo vigilância do território. Existe uma equipe de vigilância da Univaja que estava atuando num ponto da Terra Indígena Vale do Javari. Eles se comunicaram com o Bruno, por meio de um sistema satelital, e marcaram de se encontrarem. O Bruno chegou lá, dormiu com eles, mas ele estava sem esse equipamento. Ele foi lá fazer uma visita e não foi atuar com os indígenas.
Quando o Bruno deixou o local, nós perdemos o contato. Era uma viagem simples, num trecho do rio muito próximo da cidade, cerca de duas horas de barco. Na nossa concepção, não era tão perigoso andar nesse trecho. E Bruno conhece a região, por dez anos atuou ali.
Como eram as ameaças que Bruno recebia?
As ameaças eram recorrentes. Não é de dias, de meses. Faz muito tempo. A repercussão do caso é, infelizmente, uma situação que a gente vive lá no dia a dia. Nós já reportamos as ameaças para Ministério Público, Polícia Federal há anos, e nenhuma providência foi tomada. Não sei quantas vidas teremos que perder para que providências sejam tomadas na nossa TI.
Há alguma hipótese do que possa ter acontecido?
Por enquanto não. Temos que esperar as equipes de busca e a investigação.
Como você avalia o trabalho que o Bruno fez junto a Funai até sair de licença, em 2019?
Ele foi exonerado da função dele dentro da Funai. Ele era do quadro da Funai, mas estava sob licença. Ele estava muito desmotivado, já que a Funai atualmente estava perseguindo os indigenistas que atuam mesmo com os indígenas, que fazem um trabalho de Estado independente da ideologia do governo.
Já imaginou ser pautado por uma ideologia que não tem nada a ver com seu trabalho institucional do órgão para o qual você trabalha? O trabalho dele foi vital para os indígenas isolados. O Bruno fez mais de vinte expedições de campo para investigar os isolados, algo que a Funai tinha parado de fazer desde a década de 1990.
Isso é fundamental para os isolados. Bruno criou uma rede de proteção no Vale do Javari em conjunto com as instituições, Polícia Federal, Exército. Ele tomou um protagonismo da Funai na proteção ambiental.
Não por acaso, a maior operação de destruição de garimpo no Vale do Javari foi feita em 2019 e envolveu forças especiais da Polícia Federal com um aparato logístico extremamente eficaz. Depois dessa operação, ele foi exonerado. Naquela época, o governo federal já estava dizendo que o bom era liberar garimpo, que não se podia combater garimpo nas Terras Indígenas.
Como você vê o perigo que cerca o Vale do Javari?
O perigo aumentou, sobretudo, no contexto do governo Bolsonaro. Parece que teve uma autorização implícita de destruir o meio ambiente, de agredir os povos indígenas, de ameaçar os povos indígenas como nunca antes visto na história.
O garimpo está chegando agora de forma muito ameaçadora. A principal ameaça aqui são as quadrilhas organizadas, especializadas em caça e pesca profissionais e depois o garimpo.
Só que é uma região de fronteira com Peru e Colômbia, no contexto do narcotráfico, com a violência do tráfico agora entrando nos territórios indígenas. E isso tem tido um reflexo preocupante na vida de indigenistas e de indígenas.
Os piratas nos rios também são um problema. Eles roubam tudo que encontram nos barcos. É um fenômeno maior no Solimões, mas aqui no rio Javari, que é bastante navegável, tem acontecido.
Eu queria chamar a atenção parar essa extrema vulnerabilidade que se encontra a terra indígena com a maior quantidade de povos isolados do mundo. Essas violências todas estão acontecendo lá, ameaçando inclusive a sobrevivência física desses 16 grupos de isolados nesse território, além dos povos, como a minha família, que dependem dessa terra sadia, do meio ambiente protegido. O mundo precisa nos ajudar a proteger a Floresta Amazônica, a nossa terra, já que o Brasil tem feito um descaso tremendo, se omitindo, com discurso negacionista.